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sábado, 30 de janeiro de 2010

FILOSOFIA DO DIREITO E A NATUREZA NÃO HUMANA

“Como seres mais conscientes temos o dever não só de respeitar todas as formas de vida, como o de tomar as providências para evitar o sofrimento de outros seres.” *

"Para as mãos do justo tudo que vive é sagrado."*



pintura de Josephine Wall

FILOSOFIA DO DIREITO E A NATUREZA NÃO HUMANA

Por: Edna Cardozo Dias*
Doutora em Direito pela UFMG



A relação do ser humano com animais sempre foi regida pela noção de domínio. Acostumado à idéia de legitimidade da exploração dos animais e da natureza, o homem tem agido, muitas vezes, com arbitrariedade, torpeza e irresponsabilidade.

No pensamento grego antigo o homem fazia parte do Universo sem qualquer autonomia. A justiça do Estado se confundia com as leis da natureza, uma vez que o homem, imerso na totalidade do cosmo obedecia às leis físicas ou religiosas que o regiam. Esta concepção é um jus naturalismo cosmológico.

Os pré-socráticos já afirmavam o tema essencial da unidade.

Com a crise ética e moral do século V a.C. os sofistas deslocaram o conhecimento do cosmo para o homem. Com os sofistas as indagações sobre a ordem cósmica cedem lugar às indagações sobre a ordem humana.

É a partir de Sócrates, com a máxima Conhece-te a ti mesmo que começa o antropocentrismo.

Aristóteles em “A Política” argumenta que a família se forma da união do homem com a mulher, do senhor com o escravo. E que a primeira família se formou da mulher e do boi feito para a lavra. O boi serve de escravo aos pobres..

Aristóteles vê no fato do homem ter o dom da palavra uma forma de elevação, ao ser comparado com os outros animais que só tem a voz para expressar o prazer e a dor. Ele vê como natural o domínio do homem sobre o animal da mesma forma que para ele é natural o domínio do homem que tem idéias sobre aquele que só tem a força. Aristóteles inclui o animal na sociedade como escravo.

Já nos estóicos encontramos a idéia de que o direito natural é comum a homens e animais. Essa idéia de que todos os seres vivos estão sujeitos a uma lei, bem como a um Deus, logos, ratio ou pneuma - é um dos princípios fundamentais do estoicismo. Todos os seres vivos participam da ratio universal. Porém preconizavam a idéia de que a aplicação da justiça é apenas para os seres racionais. O estoicismo, de certa forma, é o precursor da teoria do contrato social.

Mas, entre os gregos a antropocêntria teve uma visão limitada. Com o cristianismo o intelectualismo grego cede lugar ao voluntarismo de Deus As atitudes generalizadas de domínio e maus tratos com os animais encontram respaldo na crença bíblica de que Deus outorgou ao homem o domínio sobre todas as criaturas viventes. Tudo isto era mais que uma crença, era um dogma de fé. São Thomaz de Aquino afiançou o dualismo ecológico judaico - cristão em seu “Tratado de Justiça” afirmou que “Ninguém peca por usar uma coisa para o fim a que foi feita. As plantas vivem em função dos animais e os animais das plantas”. Costumava evocar estas palavras de Santo Agostinho: “ Por justíssima ordenação do Criador, a vida e a morte das plantas e dos animais está subordinada ao homem”.

O pensamento filosófico ocidental continuou assentado nessa dualidade ontológica , que criou uma separatividade entre o homem e a natureza, e legitimou toda sorte de exploração dos animais. Assim seguiram o romantismo, o humanismo, o racionalismo, que colocaram o homem no centro do Universo.

O pensador Francis Bacon defendeu uma atitude experimentalista face aos animais e a filosofia de dominação e manipulação da natureza.

Com Descartes o racionalismo atingiu a sua culminância. Com sua máxima “Cogito ergo sum - penso, logo existo" - reduziu o homem à sua mente. Isto alienou o homem da natureza e dos demais seres humanos, levando a uma absurda desordem econômica, injusta divisão de bens, e uma onda crescente de violência. Nesta época difundiu-se na Europa a prática da vivissecção, que é o ato de realizar experimentos em animais vivos.

De um lado encontramos em Galileu, Descartes e Newton pensamentos que constituíram a base da revolução tecnológica e de outro, a linha que começa com Montaigne, Rousseau e Goethe, que defendem o pensamento não manipulador da natureza.

Montaigne acreditava que o Criador nos pôs na terra para servi-lo e os animais são como nossa família. Pregava o respeito não só pelos animais, mas às árvores e plantas. Montaigne dizia que aos homens devemos justiça , mas aos animais devemos solicitude e benevolência.

Rousseau atribuía à sociedade a origem de todos os males e a instituição das desigualdades. Em sua 7ª caminhada no livro “ Devaneios de um caminhante solitário” ele critica o uso de animais em experimentos e a visão das plantas como bem utilitário na confecção de remédios. E afirma que nunca julgou que tanta ciência contribuísse para a felicidade da vida. Rousseau se refugiava na natureza para se furtar à lembrança dos homens e aos ataques dos maus.

Goethe criticava o ser humano por só valorizar as coisas na medida em que lhe são úteis, e por se arrogar o direito de classificar algumas plantas como ervas daninhas, ao invés de vê-las como crianças da natureza universal, tão amadas por ela quanto o trigo que o homem valoriza e cultiva.

Foi dentro desse pensamento que o filósofo inglês Thomas Hobbes de Malmesbury, com seu livro, o Leviatã , fundou a filosofia do direito individual moderno. Dando à linguagem o papel de formadora das relações sociais e políticas, ele excluiu os animais do contrato social. Para a formação do Estado é preciso um pacto, para cuja adesão é preciso a linguagem.

Locke, precursor do liberalismo inglês, coloca o homem em sua origem como senhor de todas as criaturas “ inferiores” podendo fazer delas o que lhe aprouver. Pregava que, em princípio, tudo pertence a todos e a força do trabalho pertence a cada um individualmente, o que vem a constituir a primeira forma de propriedade privada. Segundo ele o homem pode se apossar dos frutos e das criaturas da terra. Locke retirou o animal da natureza tornando-o propriedade privada. Dizia que a natureza extra humana não tem vontades e nem direitos, são recursos à disposição de toda humanidade.

Depois de Hobbes e Locke a natureza não humana ficou fora do contrato social ou subjugada.

Na cultura ocidental, em sua vertente liberal e socialista o direito natural se limitava à natureza humana. O liberalismo e o socialismo outorgaram ao homem o título de rei da criação. E este pensamento tomou força depois das revoluções francesas e industrial. Tanto que na Declaração dos Direitos do Homem está dito: “ Todo homem”. Não se reconhecem direitos para a natureza não humana. Só em outubro de 1978, quase duzentos anos depois a Organização das Nações Unidas - ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, onde está dito: “Todos os animais nascem iguais perante a vida e tem os mesmos direitos à existência.”

O filósofo francês Michel Serres, em seu livro “ Le Contrat Naturel (Éditions Bourin, França, 1990) defende a idéia de que é chegada a hora de substituirmos a Teoria do Contrato Social (de Hobbes), pela Teoria do Contrato Natural.

Para Serres a história começa com a guerra e a guerra é um estado de direito, pois pode ser conceituada como o fechamento e estabilização de envolvimentos violentos por decisões jurídicas. A guerra supõe um acordo prévio e esse acordo se confunde com o contrato social. Para ele, portanto, Hobbes estava enganado ao dizer que a guerra de todos contra todos precede o contrato social. Para Serres, ao contrário, é a guerra que nos protege contrato a reprodução indefinida da violência.

O homem deve buscar o estado de paz e o amor, e para tal deve renunciar ao contrato social primitivo para firmar um novo pacto com o mundo: o contrato natural.

Serres preconiza a revisão conceitual do direito natural de Locke, pelo qual o homem é o único sujeito de direito.

O mundo que foi visto como nosso senhor, depois se tornou nosso escravo, em seguida passou a ser visto como nosso hospedeiro, e agora temos que admitir que é, na verdade, nosso simbiota.

O homem parasita da natureza e do mundo, filho do direito de propriedade, tudo tomou e não deu nada. A Terra hospedeira deu tudo e não tomou nada. Um relacionamento correto terá que se assentar na reciprocidade. Tudo que a natureza dá ao homem ele deve restituir.

Hoje a filosofia e a ciência já admitem a unidade do cosmo. E nessa unidade não há hierarquia. Os componentes dos átomos e partículas atômicas são padrões dinâmicos que não existem como entidades isoladas, mas como partes de uma rede inseparável de interações. Os físicos modernos nos mostram que toda matéria - tanto na terra como no espaço externo - está envolvida numa contínua dança cósmica. Tudo no espaço está conectado a tudo mais, e nenhuma parte dele é fundamental. As propriedades de qualquer parte são determinadas, não por alguma lei fundamental, mas pelas propriedades de todas as demais partes. O físico Heisenberg, ao estudar o mundo material, mostrou-nos a unidade essencial de todas as coisas e eventos. O mundo está envolvido em uma grande unidade, nenhum elemento está isolado, nem na extensão presente nem na história. Átomos e mundos são levados por um só impulso e o resultado disso é a vida.

Talvez quando o último tigre asiático ou a última arara azul vierem a falecer o homem passará a refletir sobre esta rede. Ou quando a última floresta tropical for destruída e o clima global mudar matando nossa espécie, então o homem poderá sentir na pele o que é esta rede.

É a mesma conclusão a que chegam os místicos partindo do reino interior, enquanto os físicos partem do reino exterior.

Esta maneira nova que os físicos nos mostram de ver o Universo é a essência do Tao, fundado por Lao - Tsé ; e do Zen, que nos ensina a não nos apegarmos ao pensamento dos contrários, dos opostos. O Ser em sua plenitude está unido a tudo que vive. Essa unidade abole todas as diferenças. O ensinamento da unidade é a essência do Zen e do Tao.

Esta é, também, a cosmovisão dos pré-socráticos, que concederam ao cosmo uma alma. Logos, o princípio é a alma do mundo.

A diferença cosmovisão pré - socrática para a das sociedade orientais consiste no fato dessas sacralizarem a natureza enquanto que os gregos interrogavam sua natureza para descobrir o seu segredo.

Esta teoria renasceu sob o nome de Gaia, a Terra viva, através do biológo inglês James Lovelock, para quem a Terra é um ser vivo, capaz de se regular a si mesma e ao próprio clima.

Estamos retornando à visão holística dos lendários gregos que habitavam o logos.

Para reconhecermos os direitos dos animais temos que repensar muitas coisas e mudar nossas relações com o ambiente. Os animais são seres, que como o homem, estão profundamente absorvidos pela aventura de viver. Aquele que não sente compaixão pelos animais não tem o direito de falar das torturas humanas. Para as mãos do justo tudo que vive é sagrado.

O movimento de libertação dos animais exigirá um altruísmo maior que qualquer outro, o feminismo, o racismo, já que os animais não podem exigir a própria libertação. Como seres mais conscientes temos o dever não só de respeitar todas as formas de vida, como o de tomar as providências para evitar o sofrimento de outros seres.

Os humanos são os únicos seres que estão na posição de ajudar e guiar os menos desenvolvidos dando um exemplo de cooperação e auxílio. São os únicos seres capazes de transformar a si mesmo e ao mundo.

Um dia o homem descobrirá um poder superior ao atômico - o do amor. O verdadeiro amor, o único, capaz de transformar o mundo. Neste dia o homem se conscientizará de que possui um dever cósmico, e então, só então, poderá dizer que é o rei de toda criação, o filho de Deus na terra.
* Presidente da LPCA

Página criada por
Túlio Andrade da Costa Nogueira

O texto acima foi retirado do site http://www.sosanimalmg.com.br/

Imagem Google

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